Em seu romance "O Homem Invisível", H.G. Wells não falava apenas de um cara que ninguém podia ver. O verdadeiro tema da história era a maldade natural do ser humano.
Wells argumentava que apenas as leis fazem um homem ser bom – e, quando a lei não pode mais detê-lo, ele se torna mau. Assim acontecia com o protagonista Hawley Griffin. Antes de ficar invisível ele era um homem decente, honesto, cumpridor da lei; depois, ao descobrir que nenhuma polícia ou autoridade podia pegá-lo, ele se transformou em um criminoso. Uma pena que essa mensagem tenha quase se perdido na versão para cinema, "O Homem sem Sombra"; no filme, o cientista já era arrogante antes de ficar invisível, e depois enlouqueceu por culpa de um defeito na fórmula.
Essa é uma visão bem pessimista sobre a natureza humana. Mas, infelizmente, alguns grupos RPGistas parecem confirmar a teoria de Wells. Quando você coloca Manobras Especiais, Combos e "bolinhas" nas mãos de um punhado de Street Fighters, eles tendem a perder o respeito por leis e autoridades locais. Acreditam que, por serem "inimigos da Shadaloo" – ou pelo simples fato de que quase ninguém pode detê-los – , não precisam cumprir a lei.
Não é assim que se faz.
O que é a Lei?
Street Fighters são pessoas honestas. Não? Ok, esqueça a Shadaloo. A maioria dos Street Fighters é honesta, certo? Também não? Tá bom, tá bom! Só o karateca honrado do grupo é honesto. Mas ele é o líder do time, certo? pelo menos, deveria ser.
Na maioria das aventuras prontas, crônicas, cenários e tudo o mais – e em Street Fighter: O Jogo de RPG – , espera-se que o grupo faça a coisa certa. Levando em conta as exceções e casos particulares, os jogos de RPGs ensinam a fazer o papel de heróis ou, no máximo, anti-heróis.
Um grupo de assim chamados "heróis" deveria obedecer à lei ou raramente agir contra ela (afinal, Street Fighting é proibido, lembra-se?). Definimos por "lei" o conjunto de regras que qualquer grupo de pessoas – cidades, exércitos – adota para conviver em sociedade. Não importa se a lei de cada lugar parece estranha ou injusta aos nossos olhos; é a lei deles, e devemos respeitá-la. Na vida real, uma nação não tem o direito de interferir com o cumprimento da lei em outra nação (exceto em casos graves, como a violação dos Direitos Humanos, caso de Mriganka).
Será quase impossível para um time de Street Fighters evitar envolvimento com a lei. Ela pode estar ao seu lado, apoiando ou fornecendo as missões dos Street Fighters; ou estar contra eles, impedindo que façam algo; ou até ignorá-los, mas sempre com um olho atento às confusões que um time poderoso pode causar. A brigada da cidade pode pedir aos Street Fighters que os ajudem com uma rede de tráfico da Shadaloo; a Interpol pode pedir ajuda do time pois sua jurisdição impede de agir em certos lugares. Cedo ou tarde, a lei aparece.
Por que cumprir a Lei?
Wells acreditava que as pessoas cumprem a lei simplesmente por temer a guarda ou as autoridades. Isso nem sempre é verdade.
Na Idade Média real, durante o período conhecido como Feudalismo – logo após a queda do Império Romano -, o povo temia que suas terras e bens fossem tomados por bárbaros e outros inimigos. Para evitar isso eles se submetiam aos senhores feudais, os membros da nobreza, que tinham recursos para se armar e proteger os aldeões. Assim, enquanto a classe mais baixa trabalhava com agricultura, mineração e outras atividades vitais à economia, os nobres treinavam nas artes da guerra para proteger seu povo.
Em Street Fighter: O Jogo de RPG, as coisas também funcionam assim, embora não pareçam. O povo obedece e apóia suas forças militares e policiais, pois sabe que sem eles estariam à mercê dos bandidos, assassinos e outras ameaças. Claro, existem ditaduras ou regentes opressores, mas estes são casos especiais (na maioria das vezes, forças rebeldes se levantam contra tais tiranos). Em geral o povo respeita e obedece a guarda local. Então, se você decide surrar o policial que tenta te prender por estar lutando em um porão de bar, não está apenas enfrentando um policial comum – está desafiando uma delegacia inteira, no mínimo.
Personagens jogadores deveriam pensar muito antes de violar a lei. Alguns inclusive, como personagens com Honra maior que Glória, DEVEM obedecer à lei. Mesmo que isso seja contra os interesses de seus colegas Street Fighters – como quando um personagem do grupo é apanhado roubando uma bolsa, ou quando outro membro "acidentalmente" mata alguém em um bar. Imagine se o street fighter honrado do time decide "facilitar a barra" para seus colegas?!
Por que, então, alguns jogadores fazem questão de desafiar a lei? Só para mostrar que podem? Infelizmente, parece que sim.
Documentos, por favor!
Na época atual, o controle da lei é bem mais próximo da pessoa comum e muito mais presente. Todos precisam ter um monte de documentos, comprovações e outros papéis simplesmente para tocar o seu dia-a-dia.
Em Street Fighter: O Jogo de RPG o cenário apresenta os mesmos problemas e dificuldades que encaramos ocasionalmente. E ainda com a desvantagem de que os agentes da lei estão muito melhor equipados do que as pessoas comuns.
Muitos Narradores cometem o erro de ignorar a existência da lei e das forças policiais. Talvez seja pelo fato de que, em um ambiente infestado de artistas marciais, policiais seriam inimigos muito "vulgares".
Existem problemas e procedimentos legais que podem ser bem complicados para os jogadors. Oras, quando um policial de rua testemunha você surrando uma pessoa (não interessa que seja um capanga da Shadaloo; para o policial, é uma pessoa), vai tentar prendê-lo por lesão corporal e ponto final! Se você resistir, vai levar tiro. Se tentar lutar, pode até vencer – mas será que vai vencer também os reforços que chegarão após o policial ter comunicado a ocorrência pelo rádio? Não existem fim mais patético para um Street Fighter que ver o sol nascer quadrado…
Por falar nisso, no mundo moderno, você deveria pensar melhor antes de colocar tantas bolinhas em Luta às Cegas e Estilos; guarde uma ou duas para Direito e Investigação. No caso acima, uma boa jogada poderia resolver a questão sobre onde foi preso o Street Fighter e soltá-lo a tempo do próximo torneio.
Ah, você foi convocado para aquela missão clássica de invasão para destruir-evidências-que-ameaçam-alguém? Muitos prédios públicos ou privados exigem que os visitantes se identifiquem, com documentos, para que sua entrada seja permitida. O típico personagem jogador de Street Fighter nem sabe onde andam seus documentos.
Diretriz 1: Manter a Lei
Lembre-se que uma vez que o Circuito Street Fighter é ilegal, normalmente os heróis estarão, por padrão, agindo contra a lei competindo em tais torneios. Neste caso, tudo bem: os heróis são mesmo fora-da-lei, tendo como antagonistas e inimigos a lei, embora não sejam tão odiados quanto a Shadaloo.
Existe a possibilidade remota do Apoio de um dos personagens ser uma organização da lei, que permite a ação dos Street Fighters em torneios ilegais com segundas intenções, como pegar criminosos lutadores, descobrir pistas que só membros do submundo conseguem, etc.
É Proibido!
Contra jogadores que insistem em apoiar H.G. Wells, o Narrador tem a obrigação de colocar a lei em seu encalço. Mesmo quando a lei tem menos poder de combate que os personagens jogadores. Ainda que eles vençam uma batalha ou duas, vão descobrir que – a longo prazo – ser um fora-da-lei é muito difícil.
Caso a fama dos "criminosos" se espalhe, eles não seriam bem recebidos em nenhuma cidade. Correm o risco de ser encontrados pelas autoridades justamente quando estão fracos, cansados, exauridos e muito feridos. Comerciantes e empresários podem informar à lei sobre onde os bandidos procurados estão dormindo, ou apenas se recusar a alugar um quarto para eles. Isso sem falar de Street Fighters mais poderosos – esses, sim, heróis DE VERDADE – enviados para capturá-los (talvez suspeitando que o time de bandidos faça parte da Shadaloo).
Ignorar ou fazer pouco da lei é um problema um tanto comum, mas fácil de resolver. Se os jogadores quebram a lei e entram em conflito com seus agentes, o Narrador tem toda a liberdade para fazer cair sobre suas cabeças as consequencias. Narradores que esquecem este "detalhe" estão perdendo uma excelente ferramenta para conter jogadores problemáticos.
A Lei pode ser bastante interessante. Não apenas para advogados.
Este artigo foi originalmente publicado na extinta revista Dragão Brasil #72, sob autoria de Marcelo Cassaro e Rogério Saladino. Posteriormente foi modificado por Fernando Jr para se adequar ao tema central deste blog.