Mark Rein Hagen

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Mark Rein·Hagen é um conhecido autor rpgístico, autor do livro Ars Mágica, e da série de livros Vampiro: A Máscara, Lobisomem: O Apocalipse, e outros títulos ambientados no que é conhecido como World of Darkness, além de produtor do seriado televisivo Kindred: The Embraced.

Esta entrevista foi publicada originalmente na revista Dragão Dourado, ano 1, número 02 em 02 de Julho de 1994, quando Vampiro: A Máscara estava sendo lançado em Português aqui no Brasil e o jogo de RPG de Street Fighter estava sendo preparado para os EUA.

A entrevista foi realizada por Luiz Ricon de Freitas e Flávio Andrade e se chamava “Entrevista com o vampiro: Mark Rein Hagen”. Aproveitem este achado do colaborador Eric Musashi, da Shotokan RPG!


E ele esteve entre nós. Mark Rein Hagen, conhecido e idolatrado pelos jogadores de RPG por ter criado o Vampire, the Masquerade, o jogo do momento, e co-responsável pelo Ars Magica, um jogo de ambientação medieval adulto.

Mas o grande mérito de Rein Hagen não foi ter feito um jogo de vampiros diferente, onde os jogadores interpretam vampiros em vez de caça-los. O ambiente do jogo é o world of darkness, um mundo sombrio, moderno, onde os vampiros se dividem em clãs e caminham secretamente em nossa sociedade, tendo participação ativa na História através de tramas políticas e jogos de poder. Este RPG foi lançado nos EUA pela White Wolf, que criou mais dois jogos que interagem com Vampire: Werewolf e Mage.

Mas o principal mérito de Rein Hagen foi ter introduzido o conceito de storyteller (contador de história), uma nova filosofia de jogo que tira um pouco a importância do sistema e traz o RPG mais pra perto de outras formas de manifestações culturais e artísticas, como a literatura, o cinema e, principalmente, a tradição oral. Mas esta nova filosofia não está restrita apenas aos jogos da White Wolf. O storyteller pode ser usado em qualquer RPG, pois o que faz um jogo ser o que é são os jogadores que o jogam.

Rein Hagen veio ao Brasil para o lançamento da versão brasileira do Vampire (Vampiro, a Máscara) pela Devir Livraria. Esteve em São Paulo, Curitiba e no Rio de Janeiro, dando aos jogadores brasileiros mais motivos para admira-lo. No Rio, passou um dia dando autógrafos, deu uma palestra na RPG Rio e outra na PUC-Rio, apareceu em algumas festas e visitou a Feira de São Cristovão (e adorou tudo). Só não sabemos de, no último dia, ele realizou o desejo de andar de asa delta, pois o deixamos no hotel às 3h da manhã (e, vocês sabem, asa delta tem que ser durante o dia, sob a luz do sol…). Mas chega de papo e vamos à entrevista que Luiz Eduardo fez pra gente na Point HQ.

P – Qual a sua definição de Role Playing Game?
R – Eu acho que RPGs são priemira e simplesmente contar histórias de forma interativa. É uma maneira de contar histórias que, muito mais do que nos quadrinhos ou na Tv, a platéia, o espectador toma parte na história. Por exemplo: as HQs são histórias interativas. As pessoas geralmente não pensam assim, mas é verdade. Porque, quando você lê quadrinhos, você põe sua imaginação para preencher os espaços vazios. Você tem um desenho na direita e na esquerda. O que acontece entre eles? A sua imaginação preenche a lacuna. É interativo. Só que no RPG as lacunas são bem maiores. E não é só isso. A própria seqüência dos “desenhos” é algo que você pode criar junto com seus amigos. Isso torna o RPG uma forma muito emocionante de contar histórias. Porque você está criando uma história e está intimamente envolvido nela, além de fazer de você o artista, o escritor, o contador de histórias. E é algo único. Não há nenhuma forma de contar histórias como o RPG.

P – Você se lembra da primeira vez que jogou RPG? Como foi?
R – Claro que me lembro. Foi com meu pai, que é um pastor luterano. Ele tinha um aprendiz, um noviço ue pregava na igreja. E, após a igreja, tínhamos o tradicional almoço de família de domingo. E um dia, após a ceia, o noviço disse: “Eu tenho um jogo para nós, um tipo diferente de jogo. Se chama Dungeons & Dragons”. Então, meu pai – o pastor luterano – e eu sentamos na mesa e jogamos. Ele como um anão e eu como um ladrão meio-elfo. A aventura se chamava In Search of the Unknow (Em Busca do Desconhecido). E para mim foi uma “revelação”. Eu fiquei vidrado. E nos meses seguintes, enquanto o noviço ainda estava na cidade, eu passava na casa dele todos os dias para pegar livros emprestados e para jogar. Era o máximo.

P – Quantos anos você tinha?
R – Eu tinha 14 anos. Mas parei de jogar quando cheguei aos 17.

P – Quando você decidiu criar RPGs ao invés de só joga-los?
R – Eu sempre quis me tornar diretor e roteirista de cinema. Mas nos EUA é muito difícil entrar nesse campo. então, na faculdade, eu estava pensando no que ia fazer. Eu não queria um emprego normal, eu não queria trabalhar só para me sustentar. E, ao mesmo tempo, eu sempre gostei de ser um empreendedor. Eu era aquele tipo de garoto com a barraquinha de limonada, sabe? Por exemplo: meus amigos cortavam a grama nas casas e eu conseguia os clientes e fechava os negócios. De qualquer modo, o que aconteceu foi que eu redescobri o RPG e dois meses depois já estava escrevendo. Simplesmente aconteceu.

P – E qual foi o primeiro RPG que você criou (publicado ou não)?
R – O primeiro não publicado foi um jogo chamado Mindscape (Fuga Mental). Eu estava dirigindo numa viagem de oito horas pelo interior de Minessota e Iowa. Estava indo ver Johnathan Tweet, que acabou escrevendo o RPG Ars Magica comigo. E no caminho eu só escrevia, escrevia e escrevia. Eu parava o carro o tempo todo e tomava notas das minhas idéias. E Mindscape era um jogo muito estranho onde o que você acreditava criava a realidade. Então, era um completo mundo de sonhos onde as pessoas combatiam usando a força de vontade e os sonhos. Muitas das idéias foram aproveitadas no World of Darkness (Mundo das Trevas), a ambientação dos jogos Vampire, Werewolf e Mage. Só que, depois das primeiras partidas, os jogadores se recusaram a jogar novamente. E diziam: “Esse é o pior jogo que já vi na vida!” Depois, eu lancei uma linha de cards para serem usados nos jogos. Eles venderam bem. E aí eu escrevi Ars Magica. E ele vendeu bem.

P – Voccê se considera um escritor ou um projetista de jogos?
R – Eu me considero um criador. Eu crio mundos.

P – Quais são seus ídolos?
R – Eu acho Call of Cthulhu um dos melhores RPGs já feitos. Eu admiro GregStafford, que é um dos maiores criadores de jogos. Além desses, eu admiro Joseph Campbell, Carl Jung, John Steinback, Martin Scorcese, James Cameron.

P – Fale um pouco mais sobre você. Quais seus hobbies, filmes, músicos e livros preferidos?
R – Eu gosto de The Cure, Oingo Boingo… no Vampire eu cito várias bandas que eu admiro. Quanto a livros, eu gosto de literatura séria. Gosto muito dos autores russos, dos autores ingleses. Eu até gosto de Shakespeare. É, é raro, pois a maioria diz que gosta mas nem conhece. E eu gosto muito de ficção científica. Eu adoro Orson Scott Card. O jogo do Exterminador é um dos melhores livros que eu já li.

P – Você se lembra quando e como você pensou pela primeira vez em escrever Vampire?
R – Eu estava indo para a GenCon, a maior convenção de jogos dos EUA. E havia um ano e meio que eu vinha tentando pensar num jogo, porque eu tinha escrito o Ars Magica mas não estava vendendo. Eu estava muito, muito pobre. Tão pobre que eu não tinha nem carro. E, nos EUA, se você não tem carro, você não faz nada. E eu já estava de saco cheio. Eu tinha escrito um jogo chamado Inferno, onde você jogava com uma alma no inferno. Nós jogamos uma vez e alguém deixou o carro sem engrenar e o carro desceu a rua e bateu num transformador e explodiu! A rede elétrica queimou todos todos os fax e computadores da casa, o carro pegou fogo, o cara quase morreu… Bem, depois disso eu pensei: “Chega de Inferno. Isso dá azar”. E, voltando de carro, eu finalmente tive o estalo: “Vampiros!” E meus amigos disseram:”Não vai funcionar”. E eu disse: “Vai”. E eles disseram: “Não tem graça matar vampiros!” E eu disse: “Não, vocês vão ser os vampiros!” E eles ficaram meio incrédulos. Mas as pessoas que testaram o jogo também não gostaram. Eu não acredito muito em testes. Para burilar detalhes tudo bem, mas a base não pode sair dos play testings.

P – Qual o conceito central do Mundo das Trevas?
R – A ideía central é que a crença vem antes da realidade. No mundo real, você tem o mundo e depois a mente. O mundo cria a mente. Isso é chato. No mundo das trevas, a sua mente cria o mundo. O que você acredita cria a realidade. A mente veio antes. Se sua vontade for grande o bastante, se você acreditar o suficiente, a magia acontece.

P – Por que você considera os RPGs como uma forma de arte?
R – Eu acredito que arte é tudo o que reflete e fala sobre o que é ser humano. Eu acredito que RPG pode ser arte, não que todo RPG seja arte. E RPG pode falar diretamente sobre o que é ser humano. porque ele te coloca diretamente dentro da obra. Quando você acha um quadro bonito você diz “que belo quadro, me senti sugado para dentro dele!” ou “que filme bom, me puxou para dentro da história”. Os RPGs fazem isso naturalmente. É muito bonito.

P – A White wolf se tornou uma empresa muito influente nos últimos anos. Qual a razão disso?
R – Story telling. É verdade. A maioria dos RPGs vêem o Role Playing como diversão. Muitas empresas trabalham na base do “vamos das o que os garotos querem. Vamos dar violência, monstros para matar”. Eles não entendem o que Role Playing é realmente. A White Wolf entende. Nos EUA, nós ainda não temos concorrentes, porque a amioria ainda encara RPG como um tipo de jogo de guerra e não como uma arte de contar histórias.

P – Como foi o começo da White Wolf?
R – Difícil. Stuart Wieck era domo da White Wolf Publishing e eu era dono da Lion Rampant, que fez Ars Magica. E ele fez a revista White Wolf Magazine. Mas a Lion Rampant não ia bem, pois o Ars Magica não era muito popular. A crítica adorava, mas não vendia o bastante. E nós nos encontramos um dia no topo da Stone Mountain, apertamos as mãos e começamos a empresa. Antes disso, eu comecei a Lion Rampant com o dinheiro dos livros para a faculdade. E nós fomos para a GenCon vender os cards e parávamos todo mundo dizendo: “Vocês têm que comprar esses cards!!” Se não tivéssemos vendido, eu não teria ido para a faculdade. Desde então, White Wolf saiu do estágio da xerox mas todo o dinheiro veio da própria empresa, não entrou dinheiro de fora.

P – White Wolf, Wizards of the Coast (que produz a coqueluche Magic The Gathering) estão liderando, de uma certa maneira, o mercado, a exemplo do que aconteceu nos quadrinhos com a Image Comics. O que causou essa mudança de poder?
R – Acho que é porque tanto RPGs quanto HQs são produtos de vanguarda, no sentido de que as pessoas querem o que é novo e o que é bom. Não é como nos romances, onde as pessoas não querem o que é bom, querem o que todo mundo admira; ou ópera, onde não há espaço para o novo e bom, apenas para o clássico. RPGs e HQs são artes muito novas e o público não é de crianças, mas cada vez mais de pessoas que querem algo novo. Se for bom eles vão comprar. É excitante trabalhar num ramo onde o que é bom é o que vende. Quase nunca é assim.

P – A White wolf está trabalhando numa versão RPG para o videogame Street Fighter. Como isso se encaixa no conceito de story telling?
R – Porque há crianças jogando RPG. Mas eles estão jogando o que? D&D, talvez Role Master. E o que estão fazendo? Não estão contando histórias. O que fizemos foi pegar algo que toda criança nos EUA sabe o que é e gosta. E nós pusemos alguns ingredientes de story telling. Não é um jogo como o Vampire, mas tem alguma coisa. O bastante para levar o público para a direção certa.

P – Mas Street Fighter pode ser story telling? E a porradaria onde fica?
R – Bom, eu gosto de jogos de guerra, eu jogo videogames. Eu não acho que é story telling, mas eu gosto. No Street Fighter vamos juntar as coisas. Metade do jogo é…(faz gestos de socos e chutes) e a outra metade é story telling. Para prender os jogadores mais novos, você tem que ter os dois. E Street Fighter tem personagens interessantes. Nós poderíamos ter feito Mortal Kombat. É melhor, mais novo, mas os personagens não são tão bons. Os personagens de Street Fighter têm fraquezas, objetivos. E a verdade é que D&D está morrendo. Nos EUA as vendas estão caindo, caindo. E se não há nenhum RPG para atrair as crianças, o mercado acaba em cinco anos. E eu não quero isso.

P – Primeiro havia o D&D; depois, jogos baseados em muitas regras; e agora o story telling. Qual será o próximo passo na sua opinião?
R – Acho que o story telling é o pico da evolução… Brincadeira. Acho que, no futuro próximo, os jogos terão cada vez menos regras e talvez mais de uma pessoa sendo o narrandor. Talvez mais jogos sem dados, sem regras, E, no futuro mais distante, a realidade virtual.

P – Você não acha a realidade virtual uma limitação à imaginação, pois o que você vê ou sente é o que foi programado?
R – Sempre haverá espaço para os jogos de mesa porque a imaginação é invencível. Mas, para as massas, para a maioria sem imaginação, os RPGs são inalcançáveis. Eu acredito, e estou sendo elitista, que RPG é feito para, no máximo, 20% da população. Porque a maioria não quer exercitar a imaginação. Mas, antes disso, a grande sacada vão ser os live action. Por enquanto, as regras são muito cruas, como jogos de primeira geração. Mas nos próximos anos eles vão avançar muito.

P – Quais são os próximo projetos da White Wolf?
R – Antes de vir para o Brasil, eu acabei o Wraith, que é um jogo sobre mortos. E a novidade a respeito é que é meio como o Inferno, só que você é um fantasma. E você tem duas fichas de personagens: uma para você e outra para sua sombra, seu lado negro. E outro jogador interpreta a sua sombra, e você interpreta também a sombra de alguém. e você está o tempo todo cochichando, sacaneando, tentando atrapalha-lo. É como Paranóia encontra Vampire.

P – O que você achou do Brasil como um mercado de RPG?
R – Eu achei o mercado brasileiro muito criatvo. E há talentos incríveis aqui. e os Role Playings que eu vi aqui, os autores e os artistas são incríveis. Eu vejo o RPG crescendo muito. Vocês têm uma atitude positiva e, com certeza, um brilhante futuro.