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Marcelo Cassaro é um premiado escritor, roteirista e desenhista de histórias em quadrinhos, além desenvolvedor de jogos de RPG. Teve (e tem) atuação marcante no mercado nacional do hobby, tendo sido editor da Dragão Brasil durante vários anos. Ele é mais conhecido como o desenvolvedor do sistema 3D&T e co-criador do cenário de Tormenta.
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Na área de Street Fighter, Cassaro foi editor e revisor da edição
nacional do jogo, bem como roteirista das antigas HQs da Escala e da
mini-série Street Fighter Zero da Editora Trama, fora as revistas
Dragão Brasil Especial sobre Street Fighter (Zero, Shadaloo e Final
Fight). Ufa! Para maiores detalhes da biografia deste profissional,
veja seu artigo na Wikipédia.
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1) Nome, idade e ocupação profissional atual.
R: Marcelo Cassaro, nascido em 1970 (39 anos), roteirista (ocupação atual; essa condição muda de tempos em tempos).
2) Com quantos anos começou a escrever roteiros e a desenhar? E de forma profissional?
R: Desde que conheci os gibis, eu acho. Quando criança eu já tinha vontade de inventar personagens e histórias, e quadrinhos eram o melhor meio ao meu alcance. Até hoje HQs são a mídia mais barata e acessível que existe, você só precisa de papel e caneta pra fazer um.
Meu primeiro emprego na área foi na Mauricio de Souza Produções, em 1985, como assistente de animação e design. Mas quadrinhos profissionais, mesmo, só comecei anos mais tarde na Abril Jovem.
3) Como foi que iniciou sua carreira nos quadrinhos?
R: Desde muito cedo eu fazia minhas próprias HQs, tinha minha família de personagens e sonhava publicá-los. Desenhava em casa e na escola — chegava mais cedo à sala de aula e ficava ali desenhando. Esses personagens acabaram aparecendo na revista Agente Cãofidencial, pela Editora Abril, em 1991. Mas a revista não seguiu adiante. Durante esse tempo eu desenhava outros quadrinhos para a Abril, como Os Trapalhões e As Aventuras dos Trapalhões, e acabei ficando mais conhecido por esses títulos.
Lembro que na época a Abril publicava Heróis da TV, com histórias do Jaspion e Changemen. Eu era louco para trabalhar com eles, mas essas HQs eram feitas em um estúdio externo (os salários dos desenhistas da Abril eram ótimos na época, então alguns títulos passavam para freelancers por questão de economia). Escondido do chefe (ninguém menos que Primaggio Mantovi, o quase lendário editor da Disney), comecei a prestar serviço para esse estúdio, mesmo pagando muito menos que a Abril. Então o Primaggio ficou sabendo: “Bom, já que você vai fazer esses heróis de qualquer jeito, vamos trazer o título para fazer aqui!”
4) Como surgiu a oportunidade de trabalhar com Street Fighter pela primeira vez?
R: Aconteceu que, no começo dos anos 90, a antiga Editora Escala (não a atual) publicou no Brasil um fanzine cômico japonês de SF. Note que não havia mangás nas bancas, mas um grande público otaku começava a se formar com a febre dos Cavaleiros do Zodíaco. As vendas foram altíssimas, chamaram a atenção da editora. Mas era difícil demais ter acesso a qualquer material oficial japonês.
A Escala chegou a publicar no Brasil os primeiros números de uma série norte-americana, que foi logo cancelada pela Capcom por fugir demais ao conceito dos personagens (só lembro que Sagat arrancava o escalpo de Ken a facada…). No fim, a editora optou por uma produção nacional, que eu fiquei encarregado de escrever e editar.
5) Conte-nos um pouco dessa experiência com as HQs de Street Fighter! Tanto a série da Escala quanto a mini-série da Trama
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R: Não permaneci muito tempo na Escala, porque recebi uma proposta profissional melhor da editora Trama (Escala e Trama eram antes uma só empresa, mas então se separaram e tornaram-se grandes rivais). Recomendei o Alexandre Nagado — que sempre foi fera em assuntos ligados a anime e tokusatsu — para me substituir em SF e, na casa nova, comecei a Dragão Brasil.
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Na Trama tive oportunidade de produzir bastante material
autoral (Capitão Ninja e outras birutices…) e também trabalhar com
muitos artistas em começo de carreira: Greg Tocchini, Joe Prado, André
Vazzios, Rod Reis, Alex Sunder, Edu Francisco e tantos outros.
Um dia a editora assinou contrato com a Character, empresa que licenciava SF
e outras marcas. Foi quando Sérgio Peixoto, que na época revelou muitos
desenhistas de estilo mangá na revista Animax, nos apresentou vários
bons artistas. Entre eles Erica Awano, que tinha ótimo traço e nunca,
nunca atrasava a entrega do trabalho (pausa para um conselho
profissional útil: um traço ou técnica espetacular não compensa uma
produção vagarosa). Mais tarde, essa regularidade me deu certeza de que
a Erica podia dar conta de uma série longa, uma tal Holy Avenger.
6) Quais fontes você usava como referência para escrever os roteiros de SF?
R: Quase não havia material de referência para consultar em português ou inglês. Eu tentava tirar o máximo que podia dos próprios games, jogando várias vezes para ver todos os finais. Depois usei alguma coisa do jogo SF: The Storytelling Game, da White Wolf (que também publica Vampiro: a Máscara e outros RPGs), porque pensei que era oficial. Só mais tarde fiquei sabendo que quase tudo ali era inventado. Quando esteve no Brasil, o autor Mike Tinney me revelou que ele também não tinha acesso a qualquer material oficial…
Uma das coisas mais engraçadas que eu achei em meio ao material da Capcom foi o roteiro original do episódio piloto daquela infame série animada americana de Street Fighter. Que enredo genial: Guile era enviado em missão ao Brasil, em São Paulo, para resgatar Blanka, que estava sendo mantido prisioneiro na selva! Em um templo inca! Em São Paulo!!! E com incas vivos morando no templo!!! Chun Li chegando de canoa a uma vila de palafitas (aquelas aldeias indígenas construídas em plataformas acima d’água) era inesquecível!
7) Conte-nos um pouco das suas experiências com as DBs Especiais 3D&T, principalmente a nº 1 (SF Zero), a Final Fight e a Shadaloo. Quais fontes utilizavam para criar as fichas e histórias?
R: Felizmente, SF Zero 3 tinha mais histórico que os games anteriores, dali era possível extrair mais informação para os roteiros. Mesmo assim eu ainda misturava um pouco com SF:RPG, às vezes em tom de gozação.
Por exemplo, o livro da White Wolf diz que Guile aprendeu seu Sonic Boom depois de pilotar um jato supersônico experimental, que transmitiu vibrações sônicas para seus braços através do manche (uma idéia meio “Marvel” demais…). Então usei essa “origem” do golpe na mini-série SF03 como um boato que o próprio Guile inventou…
8) Qual foi o seu envolvimento na versão nacional de Street Fighter: The Storytelling Game?
R: Eu fui editor e revisor, embora a tradução tenha sido feita no Rio.
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Esse jogo na verdade causou muita confusão. Ele foi oferecido à Trama pela Capcom do Brasil, entre outros produtos que poderíamos lançar. Pegamos, traduzimos e lançamos em banca. Então a Devir, que representava a White Wolf no Brasil, alegou que era um jogo Storyteller e que não poderíamos lançar sem autorização deles.
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Era uma situação esquisita. Ora, tínhamos autorização da Capcom, e não usamos nenhuma das ilustrações da WW
justamente para não violar direitos autorais (e também porque eram
feias como a peste…). E até onde sabíamos, o conteúdo intelectual
pertencia à Capcom (jogo deles, ambientação deles, personagens deles). A coisa foi bem tensa, por um tempo ninguém sabia se afinal o jogo era da Capcom ou WW. No fim, os royalties que seriam pagos à Capcom foram pagos à White Wolf, até que o jogo esgotou-se e nunca voltou a ser reimpresso.
9) Como foi a reação dos consumidores na época do lançamento da versão nacional (1999)? E após a reedição encadernada em 2001?
R: Foi muito boa, porque eram títulos Storyteller muito acessíveis. Os três fascículos juntos custavam menos de 15 Reais, na época em que um livro básico Vampiro: a Máscara custava 45 Reais. E a edição encadernada custava menos ainda.
SF:RPG derrubou o boato de que apenas RPGs com material na Dragão Brasil tinham vendas boas. O jogo quase não tinha suporte na DB, e mesmo assim esgotou toda a tiragem.
10) Se as vendas foram tão boas, qual o motivo para a não-publicação dos suplementos do jogo (Contenders, Secrets of Shadoloo, etc)?
R: Como eu já disse, houve atrito com a Devir e White Wolf. Fizemos um acordo para resolver o problema com o livro básico (que já estava impresso e em bancas), mas não com relação aos acessórios. Os direitos de Street Fighter: Storytelling Game pertencem realmente à White Wolf. A linha foi cancelada nos EUA e não deve ser retomada.
11) Você chegou a jogar este jogo? Qual era o seu estilo de luta favorito?
R: Joguei algumas vezes com amigos, um saudoso grupo. Mas não o bastante para ter um estilo favorito.
12) Qual seu personagem favorito de Street Fighter?
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R: Para jogar, o Blanka — sou um jogador bem ruim, e só consigo ganhar com o soco forte de longo alcance dele. Mas no geral prefiro a Chun Li. E antes que alguém pergunte, pretendo manter muita, mas muita distância do filme live-action que vem chegando (SF e Godzilla me ensinaram que Hollywood não faz nada além de destruir as coisas mais legais do Japão). |
13) Você foi editor da Dragão Brasil durante anos. Como foi essa experiência? Como reuniam as matérias, criavam adaptações, faziam resenhas de livros, etc?
R: No começo, sem nenhuma idéia melhor, seguíamos o padrão das revistas americanas como a Dragon, Dungeon e Pyramid. Com o tempo descobrimos as diferenças entre o público americano e o brasileiro, passamos a oferecer menos material original e mais adaptações de games e animes. Inventamos o 3D&T porque brasileiros não querem regras difíceis e demoradas de aprender, eles querem jogar rápido. Claro, uma legião de jogadores “old school” ficou revoltada — até hoje não se conformam que RPG estilo anime seja mais popular — e nunca mais deixaram de reclamar.
Reclamações sobre resenhas, também houve muitas. Diziam que a gente falava mal de qualquer título nacional por “medo de concorrência”. Como se uma resenha, sozinha, pudesse acabar com um jogo realmente bom — aliás, se isso fosse possível, dois ou três blogs ou fóruns por aí já teriam acabado com as vendas de Tormenta, e 3D&T não estaria de volta. Logo havia um verdadeiro clube de autores frustrados que culpavam a Dragão por seu fracasso, em vez de culpar a si mesmos.
Críticos chatos à parte, cuidar da Dragão era muito legal, e 111 edições provam que fizemos tudo direito. RPG é muito divertido e sadio, e tenho orgulho por ter levado tanta gente a descobrir esse hobby.
14) E a DragonSlayer? Como está sendo essa nova experiência, principalmente com relação ao feedback dos fãs?
R: Eu e meus amigos deixamos a Dragão por problemas com a editora. Uma nova equipe assumiu e decidiu “ouvir as reclamações do público”, fazer tudo aquilo que os resmungões da internet queriam. Mudaram o estilo da revista, e então ela não durou mais um ano. Enquanto isso mudamos para a DragonSlayer (qualquer intenção oculta no título é pura sinceridade), que continua até hoje. Acho que existe uma lição aqui…
A lição é: se você desistir de alguma coisa porque alguém vai reclamar, então você nunca mais fará coisa alguma na vida.
Como todo o respeito aos fãs… eu não faço necessariamente o que vocês pedem. O autor inteligente escuta os fãs, cogita suas idéias, pensa nelas… mas não é escravo delas. Todo autor ou estúdio que conheço, que trabalhou unicamente baseado em opiniões de fãs, acabou produzindo as piores porcarias na história do entretenimento.
Claro que a opinião dos fãs é importante, mas como material bruto, que precisa ser trabalhado. A internet tornou muito fácil colher a opinião do público, e muito tentador achar que essa informação é uma fórmula infalível para o sucesso. Mas se fosse assim, ninguém mais precisaria de autores ou editores. Bastaria uma enquete em um site, e tchans! O trabalho está feito! Mágica! Pois é, certas pessoas foram muito idiotas ao acreditar nisso e pagaram o preço.
Um exemplo melhor: quando você dá um presente a alguém, o que faz? Pergunta a essa pessoa o que quer? Ou faz uma surpresa? Se você pergunta, então já provou que não conhece essa pessoa tão bem. Mas se você conhece essa pessoa, saberá fazer uma boa surpresa.
Por isso eu nunca pergunto a ninguém o que gostaria de ver em uma história ou revista. Eu prefiro tentar adivinhar.
15) Como você vê o mercado nacional atual para os profissionais da área dos quadrinhos e RPG?
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R: Não é o trabalho mais fácil ou bem pago do mundo. É preciso gostar muito do que se faz. Se você ama quadrinhos ou RPG, vai acabar nesse mercado de qualquer maneira. Se não ama, se pretende atuar na área por qualquer outro motivo… sinceramente, procure outra coisa. Ou pelo menos faça um curso superior, para ter outra opção.
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16) Quais são seus projetos atuais, tanto para RPG quanto para quadrinhos?
R: Venho tentando ajudar a Jambô com a linha Tormenta como posso. Agora estou escrevendo roteiros para a Mauricio de Souza Produções, e isso toma bastante tempo. Mesmo minha atuação na DSlayer deve agora ser bem menor.
O pessoal anda perguntando por A.Y.L.A.Project, uma série que escrevi com Edu Francisco. Infelizmente para vocês (mas felizmente para mim), ela foi comprada por uma editora estrangeira, e agora não sei quando será publicada. Mas comecei uma história longa com os personagens da Holy Avenger, vamos ver no que vai dar.
17) Dê uma dica para o pessoal que curte escrever, principalmente criando fanfics e fanzines, mas não sabe como se tornar um profissional!
R: Primeiro faça-se a pergunta: você quer ser profissional? Profissionais têm patrão, e você precisará fazer o que ele manda. Cumprir ordens, cumprir prazos, ter pouco tempo livre. Claro, ser pago para fazer aquilo que se gosta é ótimo; mas nem sempre você fará aquilo que gosta, e nem sempre será bem pago.
Fui profissional a maior parte da vida, mas tive a sorte de contar com patrões que confiavam em meu talento, me deixavam livre para fazer quase tudo como queria. Nunca fui meu próprio patrão, e nem pretendo ser — administrar um estúdio ou empresa é um pesadelo pelo qual não quero passar.
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Mas enfim, se você quer mesmo ser profissional, se quer viver para seu trabalho (e não viver dele), use a internet. É a melhor forma de apresentar seu trabalho ao mundo, um recurso que eu mesmo não tive na minha época. Cadastre-se no DeviantArt ou coisa assim. Faça seu próprio site ou blog. E caso seu trabalho seja realmente bom, alguém vai procurá-lo com uma proposta, ou você encontrará um meio de ganhar dinheiro com ele.
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Não há receitas, não há fórmulas. O mundo está diferente, há muitas
novas tecnologias, novos caminhos. Você pode ser o primeiro a ter
sucesso com um jeito novo de fazer quadrinhos. Ou até contar uma
história de uma maneira que ninguém pensou ainda.
Valeu Marcelo pela colaboração e parabéns pelos excelentes trabalhos!!