Conspiração Total
Prólogo: Um Mundo Cruel
Japão, Okinawa, Janeiro de 1987
Kaneda continuava tentando. Já tentava há meses dividir suas Bolas de Fogo, como
o Sensei Takashi lhe ordenara, mas nenhum resultado fora obtido. Ele se concentrava
muito, imaginava alvos e atacava. As Bolas de Fogo se dividiam, mas saíam todas
erradas, e passavam longe dos alvos imaginados pelo garoto. Todo dia era assim:
Kaneda tentava algumas vezes, ia descansar, para recompor o seu Chi e voltava a
tentar. Mais uma tentativa frustrada se chocava com uma das árvores do quintal do
dojô, em Okinawa:
– Hadouken! Mas que droga! Desse jeito nunca conseguirei vingar meu pai!
Após proferir a última frase Kaneda se sentou e começou a apreciar o céu azul. Ele
então se lembrou do passado, que estava quase dez anos atrás, em Tóquio:
Um vento muito frio e um céu nublado. Todos de preto. Um velório. Todos observavam
as cinzas de Mark Paul Jones se espalhando pelo ar à medida que seu corpo era consumido
pelas chamas. Em especial, sua mulher Kaori e seu filho Kaneda. Após tudo se acabar,
olhando para o céu, para as cinzas, Kaneda gritou com toda a força que pôde:
– Paaaaiiiii! Onde quer que esteja, fique sabendo que será vingado!!
Todos se assustaram com a atitude do menino
de 7 anos, inclusive sua mãe Kaori.
A memória de Kaneda viajou mais um pouco,
algumas semanas depois, quando sua mãe se assustou com um pedido seu:
– Mas que história é essa, filho?
– É isso mesmo, mãe! Eu quero aprender karatê, e sei que a senhora sabe!
– M-mas, filho, isso já faz muito tempo... E por que quer aprender a lutar?
– Eu vou vingar meu pai! Eu vou pegar os yakuzas que encomendaram sua morte!
– Hahahahaha, do que está falando, garoto?
– Ah, não pense que sou bobo! Eu sei muito bem que foi por isso que morreu,
e a senhora também sabe!
– Meu filho...
– Mãe, me ensine, por favor...
O olhar de Kaneda sempre comovia sua mãe. Principalmente agora, com a morte de Mark.
Ela não sabia porque estava fazendo isso, mas entendia os motivos do filho e ia
ensinar o que sabia de Karatê Shinmen-ryu para ele.
– Tudo bem, filho...
– Fala sério?!
– Claro! – disse ela com um sorriso fraternal.
Kaneda pulou sobre Kaori, abraçando-a com muita força. Algumas semanas depois, Kaneda
já dominava os primeiros golpes. Já na realidade novamente, Kaneda ainda sorria
com sua impetuosidade do passado. Mas se lembrou que muito ainda devia ser feito
e que Mark seria vingado!
– Hadouken!
Já era noite, e Kaneda, muito cansado, continuava tentando. Takashi percebeu como
o jovem levava a sério o seu objetivo. Uma pequena garoa caía, e ventos frios sopravam,
em contraste com o céu azul da manhã. Mas Kaneda ainda continuava tentando. Takashi
olhou para o sul, onde podia ver o mar. Ele sentiu e vento frio e percebeu que sua
vida e a de Kaneda – principalmente – mudariam muito brevemente. Apenas
sorriu, demonstrando que estava preparado para o que viesse. Chamou Kaneda novamente:
– Venha jantar, Kaneda! Amanhã você treina mais!
– Daqui a pouco, Sensei! Vou treinar mais um pouco!
– Só espero que não durma até tarde amanhã, hein!
– Pode ficar despreocupado, Takashi-sama...
Kaneda tentou mais uma vez, e caiu no chão após mais um fracasso. Olhou rapidamente
para a casa, e se aliviou ao perceber que Takashi já havia entrado. 'Ele ia me dar
um sermão por eu estar exagerando assim!'. Kaneda não conseguia se levantar de cansaço.
Mais uma vez foi atormentado pelas lembranças do passado.
Agora já se via com 13 anos, como um garoto brigão e temido no bairro. Estava sentado
numa praça, esperando a namorada Key. Key era a garota mais cobiçada do bairro,
e a fama de Kaneda fez com que ele a tivesse. Mas Key sempre fora muito tímida,
e acreditava que Kaneda era o amor de sua vida. Talvez fosse mesmo...
Ele observava o movimento quando a viu chegando. Seus longos cabelos pretos, seu
lindo e delicado rosto. Com certeza, Kaneda estava apaixonado! Key se aproximou
e sentou-se ao seu lado. Kaneda a abraçou, com mais força que de costume. Logo ela
percebeu como ele estava aflito:
– O que houve, amor? E essa katana com você?
– É... É minha mãe! E a katana é a do meu pai!
– O que ela fez? E por que pegou a espada?
– Ela não quer me ensinar mais nada, vê se pode! Fica dizendo que não tem
mais nada pra me ensinar, bah, to cheio desse papo furado!
– Calma, Kaneda! Talvez ela esteja dizendo a verdade...
– Até você?!
Kaneda se levantou, furioso. Há tempos ele não se enfurecia assim com Key, e quando
isso acontecia, realmente era coisa séria. Kaneda ameaçou ir embora, mas seu coração
o fez olhar para trás. Ele viu seu rosto aflito, derramando lágrimas e com os lábios
tremendo.
– Não faça isso, você sabe que eu te amo! – Kaneda voltou e a abraçou
fortemente.
– ...
– Me desculpe, por favor, Key!
– Tudo bem, snif... Pensei que íamos brigar de novo... Sabe, às vezes chego
a pensar que você vai me deixar...
– Olha Key, esse não é o momento certo para isso, mas estou pensando em partir
de Tóquio.
– O quê??!! – A expressão de choro tomou sua face novamente.
– É que fiquei sabendo que o grande Sensei Takashi-sama, de Okinawa, vai dar
um torneio para jovens no próximo final de semana. Quem vencer será treinado por
ele.
– Mas se você for treinado por ele, vai morar lá?
– É...
– Por favor, Kaneda, não faça isso! Por favor, por favor! – Key se agitou
muito, e começou a chorar como não chorava há muito tempo.
– Key, eu também não quero me separar de você! Por isso peço que venha comigo!
– Como assim?
– Vir comigo! Eu sei que vencerei o torneio! Daí você mora comigo lá...
– Está louco? Ou está bêbado?
– Nunca estive tão lúcido!
– Kaneda, nós temos treze anos!
– Mas e daí?
– E daí que tenho pais, uma casa e estudos para concluir! Kaneda, eu tenho
uma vida, e não posso deixá-la para trás por causa de você! Não agora!
– É... Eu não tenho mais um pai e nem um lar, como achei que fosse me seguir!
– Não é isso...
– Me desculpe se tentei interferir na sua "vida", garota! Até mais,
e espero que cuide-se! – Kaneda deixou escapar uma lágrima do olho esquerdo
e virou-se, para que a garota não visse.
– Kaneda, você faz parte da minha vida! Pode ter certeza disso! Mas não pode
simplesmente pedir que eu largue tudo e parta atrás de um sonho, atrás de SEU sonho!
Eu não posso abandonar os meus! Quero me formar, quero continuar por aqui! Se você
realmente me ama, tente me entender!
Kaneda limpou a lágrima com a mão e virou-se. Ela ainda tinha a face vermelha e
derramava muitas lágrimas. Kaneda a olhou por algum tempo. De fato, ela era muito
mais madura do que devia ser. E Kaneda era apenas um garoto de 13 anos. Um garoto
de 13 anos que corria atrás de um sonho. Mal sabia ele, mas vingar o pai era apenas
um pretexto para aprender a lutar, para ser forte, um sonho que sempre morou dentro
dele. Kaneda finalmente se tocou do mal que estava tentando fazer à garota:
– Key, me desculpe! – disse ele, colocando a mão no rosto.
– Kaneda...
– Eu te entendo. – derramou algumas lágrimas.
– Por que está chorando?
– Eu te entendo, e por isso sei que não nos veremos por um bom tempo. Eu escreverei,
e prometo que um dia voltarei para te buscar!
– ... – a face de Key começou a se entristecer novamente.
– Se você conhecer outro rapaz, eu entenderei. Mas espero que pelo menos me
avise, para que eu pare de sonhar...
– Não! Nunca! – Key já chorava novamente.
– Agora preciso ir, Key. Devo ir antes que minha mãe venha me procurar.
Os dois se olharam por eternos segundos. Ambos derramavam muitas lágrimas. Kaneda
a abraçou muito forte e os dois deram um último beijo, muito mais amoroso e aflito
do que de costume. Não eram comum beijos em público, ainda mais entre jovens de
13 anos! Mas os dois nem se importaram. Kaneda foi se afastando, e ela começou a
cair em prantos. Tentanto inútilmente consolá-la, Kaneda ainda disse:
– Eu prometo que volto para te buscar!
Então voltou para a realidade:
– Droga! Keeeyyyy!!! Eu tenho que conseguir, eu tenho que buscá-la!
Kaneda não percebeu, mas Takashi olhava atentamente para ele novamente. O velho
mestre podia sentir todo o Chi do corpo do jovem garoto se agitando. Kaneda perdeu
o controle de si. Takashi percebeu seus olhos vermelhos e uma grande energia em
suas mãos, em forma de concha. Kaneda estava sério, sem expressão, e totalmente
possesso. De repente, ele olhou ao redor para as cinco árvores que o cercavam. Kaneda
finalmente atacou, arremessando cinco bolas de fogo que atingiram as árvores em
cheio:
– Shinkuu... Hadouken!!!
Muita poeira havia subido com o golpe. Kaneda estava de joelhos, e não entendia.
Olhou para os lados, e viu Takashi se aproximando e parabenizando-o. Enfim percebeu
que finalmente tinha dominado o golpe:
– Eu consegui! Eu consegui!
– Meus parabéns, meu aluno!
– Agora sinto que poderei vingar meu pai com minhas próprias mãos!
– Quanto a isso, Kaneda, acho que devemos conversar.
Kaneda havia comido muito. Além de Takashi cozinhar muito bem, o treinamento tinha
consumido muita energia! Agora ele apenas ouvia Takashi lhe explicar sobre o circuito
Street Fighter – um circuito ilegal de lutas onde, de acordo com sua média
de vitórias, você sobe de postos e ganha prestígio, podendo se tornar um Guerreiro
Mundial. Apesar disso não ter nada a ver com o objetivo inicial de Kaneda, ele resolveu
ingressar. Takashi ficou muito feliz, e disse que um torneio aconteceria nos EUA
daqui há duas semanas. Takashi finalizou:
– E quanto à Yakuza, creio que deve esperar mais um pouco.
– O quê?! Por quê, Sensei? Eu tenho tanto poder agora!
– Não se iluda, jovem guerreiro. Você apenas iniciou sua jornada. Se fizer
o que acabou de fazer num campeonato convencional, com certeza será até mesmo tido
como um deus. Mas ainda há muito mais no mundo. Quando lutar no torneio de street
fighting você vai entender...
– Está certo, Sensei.
Kaneda foi deitar, mas antes arrumou uma pequena mochila. Na manhã seguinte conversou
com Takashi. Antes da despedida, porém, Takashi lhe contou sobre sua afinidade com
o elemento ar, e que futuramente lhe ensinaria a manipular esses poderes. Kaneda
ficou feliz, e enfim partiu.
– Será que há tantos oponentes valiosos assim como Takashi-sama falou?
Kaneda partiu com essa dúvida. Com certeza, em pouco tempo teria a resposta... |