Conspiração Total

Capítulo X: Guerreiros Lutam Até O Fim

 

Japão, Okinawa, 1º de Setembro de 1990

 

Kaneda olhava para o horizonte cinzento e para o mar. Sobre o penhasco onde estava ainda podia perceber a força com que as ondas se chocavam contra o paredão de pedras lá embaixo. Kaneda olhou para o rosto de Key. Um pouco de sangue escorria de sua boca. Kaneda o limpou e deu um beijo nela.

Esse longo beijo não correspondido era o último que podia dar, a última lembrança. Kaneda sabia disso. Enfim ele se afastou de seus doces lábios. Mas Kaneda não tinha coragem de soltar o corpo. Nesse momento ele se lembrou de seu pai, se lembrou de Kimberly, se lembrou de Ian, de Matt, de Chong Li e de todos os outros que viu morrerem nas mãos da Shadaloo – organização há pouco conhecida por ele.

Kaneda se afastou do penhasco. Ainda pôde ouvir o suave barulho do corpo de Key sendo engolido pelo mar. Estaria enterrada para sempre. Kaneda subiu na sua moto. A chuva molhava o seu rosto, e então se virou para o céu, chorando e gritando.

– Por que tem que ser assim?! Hein?! Tem alguém aí?! Tem alguém do meu lado?!

 

Enquanto isso, no dojô de Takashi, ele e Kim explicavam tudo para Chun Li, Hwoarang, Ryuji e Sakura, que ouviam atentamente. Foi um duro e repentino ataque. Mas Kim e Takashi eram poderosos mestres, apesar de não estarem mais no apogeu da condição física.

Quando perceberam que perderiam, se foram. Takashi ainda pôde ver Key agonizando em seu últimos momentos. Terminada a história, Hwoarang se abaixou e derramou algumas lágrimas. Key era uma grande amiga, e ele também podia sentir um pouquinho da dor de Kaneda.

– Não acredito que aconteceu isso! – todos se viraram e viram Iori, que ouvira a história toda.

– Iori... – alguma voz pôde ser ouvida. Iori tinha ficado no aeroporto, pois reencontrou sua mãe, que tinha vindo para Okinawa. O vôo dela já ia partir, e ele decidiu ficar um pouco com ela.

– O que será que Kaneda foi fazer... Temo que queira fazer alguma bes... – Chun Li foi interrompida antes de terminar a frase.

– Estou aqui! – disse ele, chegando.

 

Kaneda cruzou o aposento. Ele não olhou para ninguém, e foi direto para os fundos. Algum tempo depois todos ouviram o som de golpes. Sakura foi correndo para lá, seguida por Chun Li. Hwoarang abraçou o pai e foi se deitar um pouco. Takashi usou os seus poderes de cura para acabar com o sofrimento de Ryuji.

– Onde você foi, Kaneda? – perguntou Chun Li.

– ...

– Kaneda, cadê a Key?

– ...

– Kaneda, temos que ter o corpo. Você tem que seguir a lei!

– Você não é da Interpol? Faça alguma coisa! – as palavras de Kaneda tinham uma raiva nunca ouvida antes de sua boca. Ao mesmo tempo parecia frágil, sozinho.

– Não é bem assim que funciona...

– Faça alguma coisa, caramba! – Iori, que também as seguiu, se comoveu com a dor do amigo.

– Tudo bem... Eu farei isso pela sua amizade, Kaneda. – Chun Li disse enquanto se retirava.

– Kaneda... – Sakura tinha os olhos cheios de lágrimas.

– Deixe-o! Ele precisa ficar sozinho. Venha comigo! – Iori estendeu a mão.

Sakura hesitou um pouco, mas acabou indo com ele. Algum tempo depois, Chun Li, Kim, Hwoarang e Iori estavam cuidando de tudo. Precisavam fazer com que a polícia não se envolvesse, e para agentes da Interpol isso não era nada fácil. Ryuji ainda repousava, e Takashi também. A jovem Sakura observava Kaneda desferir os golpes com os punhos ensangüentados quando ele caiu.

Sakura se assustou. Ela então percebeu que ele tinha vários ferimentos, inclusive na cabeça. Sakura observou-o um pouco antes de carregá-lo nas costas.

– Droga... Você precisará de cuidados! – disse ela, enquanto o levava para seu quarto.

 

No dia seguinte, Kaneda enfim acordava. Ele olhou para o redor. Pediu aos céus que tudo não tivesse passado de um pesadelo. Mas ao ver a janela quebrada percebeu que houve mesmo um ataque da Shadaloo e que Key realmente tinha morrido. Kaneda viu Sakura olhando para ele com um sorriso preocupado.

– Sakura? – Kaneda parecia perdido.

– Estou aqui, Kaneda...

– O que houve? Por que estou aqui?

– Não se lembra de nada...? – ela preocupou-se um pouco mais.

– Como poderia me esquecer?! – Kaneda se sentou na cama e se tom de voz mudou novamente – Mas... O que houve comigo?

– Repito: não se lembra de nada?

– Não...

– Você se feriu todo golpeando as árvores...

Kaneda olhou para a parede e derramou algumas lágrimas. Apenas olhou para a parede tentando desviar-se do olhar de Sakura. Ela, no entanto, ficou na sua frente, e vendo-o chorar, o abraçou. Ficaram assim por um longo tempo.

 

Japão, Okinawa, 8 de Setembro

 

Kaneda, Iori e Ryuji recebiam Chun Li. Hwoarang, por não ter nada a ver com essa missão, ou melhor, com a luta contra a Shadaloo, trocava alguns golpes com Kim. E Sakura ajudava Takashi na reconstrução do pátio do dojô, que teve muitos estragos.

– Olha, Chun Li, me desculpe por aquele dia. Mas depois nós conversamos sobre esse assunto. Venha, estamos fazendo uns reparos no dojô! – disse Kaneda, puxando-a pelo braço.

– Tudo bem, eu te desculpo! – disse ela, com um sorriso. – E te entendo. – o rosto se entristeceu.

Chun Li se sentou, e começou a conversar com Ryuji e Iori. Cansado de treinar, Hwoarang foi tomar um banho antes do almoço. Logo Takashi os chamava. Todos se foram, menos Sakura e Kaneda, que pareciam entretidos no conserto do dojô.

Sakura, numa escada, colocava uma das várias placas com escrituras antigas japonesas – kanjis – enquanto Kaneda consertava as outras. Estava um pouco difícil colocar esta. Sakura tentou, se inclinou, tentou novamente e...

– Aaaaaaa! – ela gritou, enquanto caía.

– Droga! – Kaneda se virou e saltou uns três metros para fica embaixo dela, amparando a jovem.

– ... Obrigada, Kaneda...

Ficaram se olhando um pouco. Isso os lembrou da cena na China há alguns dias, quando Hwoarang venceu Chun Li. Como na cena anterior, Sakura foi se aproximando. Kaneda nada pensava nesse momento. E enfim se beijaram.

Kaneda parecia viver novamente. Ele começou a lembrar instantaneamente das suas dores passadas e de como as venceu. E então se lembrou de Key. Muito rapidamente, Kaneda se afastou da jovem.

– O que houve?

– Isso não... Isso não está certo! – Kaneda se levantou e foi saindo rapidamente.

– Kaneda, espere!

– Isso não está certo!

 

Algumas horas depois, Kaneda, Chun Li, Ryuji e Iori conversavam na sala. Do lado de fora, Sakura olhava para o horizonte, o que despertou o interesse de Hwoarang, que treinava sozinho. Kim dormia, e Takashi meditava.

– Vocês se beijaram, não é?

– O quê?! – frase de Hwoarang assustou Sakura.

– Eu vi.

– ...

– Olha, Sakura, eu percebi que há um clima entre você e o Kaneda desde que se conheceram. Mas o cara precisa de um tempo, entende?

– ...

– O Kaneda sempre foi um cara de princípios, e mesmo que a relação dele e da Key estivesse uma porcaria quando ela se foi – Hwoarang suspirou ao falar isso -, ele ainda tentará respeitá-la. Mesmo querendo estar com você.

– Hwoarang...

– E se ele não fizer isso eu acabo com ele! – finalmente o coreano sorriu de verdade.

– Você parece ser um cara legal! – disse Sakura, abraçando-o.

 

– Então é isso. – disse Chun Li. – Não sabemos até que ponto a Shadaloo pode chegar. Eu peço que treinem, mas que fiquem por aqui mesmo. E que aproveitem muito suas vidas, se esquecendo de tudo, até que a missão possa continuar.

– Entendo... – disse Iori.

– E quando isso vai acontecer? – perguntou Ryuji.

– Eu não sei... Alguns agentes nossos estão investigando. Eles temem não ter um jeito senão destruir a ilha de Mriganka... M. Bison tem muitos poderes políticos; a ONU está com ele. E nós, da Interpol, temos que agir de acordo com a lei. Se não tiver outro jeito, então teremos que entrar lá e acabar com tudo.

– Era isso que eu queria fazer agora...! – depois de ficar quieto a reunião inteira, Kaneda finalmente falou algo.

– Se tivermos que fazer isso, vocês serão avisados. Agora tenho que ir, pois estou ajudando nessa investigação.

– Boa sorte, Chun Li! – disseram Ryuji e Iori.

– E você, Kaneda, não vai me desejar nada? – ela perguntou.

Kaneda ficou olhando pra ela, parado por alguns instantes. Ele, um pouco antes de derramar mais uma lágrima, abraçou a amiga. Chun Li retribuiu o abraço, e sorriu. Depois ela se foi.

 

Japão, Okinawa, 10 de Outubro

 

Amanheceu um dia ensolarado. Kaneda ficou muito feliz com isso, pois odiaria ter chuva no seu aniversário! Foi um dia como os outros, mas um pouco mais divertido – principalmente para Kaneda. Mas a noite enfim chegou, e tiveram um jantar.

– Ei, eu vou dar uma volta mas não demoro! – disse Hwoarang, já saindo pela porta.

Ninguém nem teve tempo de responder. Mas essas saídas de Hwoarang se tornaram comuns depois que Chun Li mandou todos se divertirem. O tempo foi passando, alguns foram caindo pelo chão – como os embebedados Ryuji e Iori – e a festa foi acabando. Mais horas passavam e a madrugada adentrou. De repente, o telefone tocou. Kaneda, ainda acordado, foi correndo atender.

– Alô... Kaneda... Sim... É, saiu sim... O quê?!...

Sakura só pôde ver Kaneda desligando o telefone rapidamente e saindo correndo. Ela o alcançou e saltou sobre sua moto. Tentou perguntar o que era várias vezes no caminho, mas Kaneda não lhe deu resposta alguma. Enfim chegaram. Era uma boite.

Havia muitos carros de polícia no local, que estava muito cheio. Sakura segurou firme na mão de Kaneda e foram entrando. O calor da noite fazia o lugar se tornar insuportável. Logo viram muitos policiais. Todos olhavam para o chão. Kaneda foi se aproximando, mas um deles o deteve.

– Ah, Sr. Jones!

– Com licença, delegado! – Kaneda parecia tenso.

– Sim senhor. É por aqui.

Sakura não entendia nada do que estava acontecendo. Ela olhava para os lados. E teve uma vertigem ao ver o corpo caído no chão. Com muitas perfurações, usava a mesma roupa que Hwoarang quando este saiu de casa. Os cabelos eram idênticos.

A única dúvida era pelo rosto, totalmente desfigurado. Parecia que o jovem tinha sofrido muito. Ela se virou e viu Kaneda, perplexo, olhando o corpo. O delegado ainda se virou para ele e lhe entregou a carteira do indigente, revelando que era mesmo Hwoarang.

– Sim... É ele... – Kaneda parecia fazer força para responder ao delegado.

– Tudo bem. Eu passarei no dojô e informarei todos...

– Kaneda! – gritou Sakura, acompanhando-o.

Kaneda saiu correndo antes do delegado terminar de falar. Sakura teve que se apressar para saltar sobre a moto novamente. Eles viajaram pela cidade, indo para num local bem inexplorado. Era um penhasco. As pedras davam no mar.

 

– Kaneda...? – Sakura olhava ao redor.

– Sabe que lugar é esse?

– N-não...

– Foi aqui que enterrei Key. Ela dorme no fundo do oceano agora.

– ... – Sakura derramou uma lágrima. Não só por se lembrar do ocorrido e pela morte de Hwoarang, mas também por Kaneda ainda sofrer por Key.

– E sabe o que tenho vontade de fazer agora?

– ...

– Tenho vontade de ir lá junto com ela!

– Kaneda...

– É verdade! Ela não deve mais sofrer!

– Mas... – Sakura não sabia o que falar.

– Por que tem que ser assim?! – a raiva de Kaneda se transformou em pranto e lágrimas. Ele se virou e abraçou a pequena Sakura.

– ...

– Eu tenho vontade de desistir! Sim, de que adianta lutar? Ele vai nos matar um a um!

– Kaneda...

– A Shadaloo é imortal! M. Bison é imortal! Você não viu! Ele derrotou a mim, junto com o Iori! Ele levou meu pai, levou várias pessoas que conheci, levou a Key!

– ... – Sakura derramou mais uma lágrima. Era difícil pra ela competir com uma morta.

– E antes de me levar, ele vai levar você! E eu não vou aguentar...! – Kaneda não cosneguia falar mais nada. Começou a chorar compulsivamente.

Sakura se assustou, arregalando os olhos. Ela conhecia toda a história de Kaneda, e agora podia sentir sua dor. Ela quis chorar junto com ele, mas percebeu que devia fazer alguma coisa. Percebeu que Kaneda não podia se entregar.

 

Enquanto isso, todos recebiam a notícia na casa de Takashi. Takashi, Iori e Ryuji ficaram muito triste. Iori até mesmo derramou algumas lágrimas ao se lembrar do rival do passado. Mas Kim não se conformou.

– Eu não acredito! Meu filho! Oh, Hwoarang! Meu filho não está morto! Hwoarang, cadê você?

Após muitos gritos e muitas lágrimas, Kim desmaiou. Os três o ampararam, e o delegado se foi. No penhasco, Kaneda finalmente parou de chorar nos braços de Sakura. Ele se levantou.

 

– Eu me entrego. Não faz sentido viver assim.

– Kaneda...

– É verdade! – se exaltou.

– Não é verdade não! – Sakura se levantou.

– ... – Kaneda se assustou com a mudança de postura da garota.

– Kaneda, eu vim atrás de você porque senti um espírito guerreiro em você! E eu me apaixonei por você não só pelo que você é, mas também por causa desse espírito guerreiro! Eu sei que você sofre muito, assim como Iori sofreu. Mas não pode desistir não!

– ...

– Se você desistir, estará mostrando que não é o guerreiro que achei que fosse. Eu temo que você morra lutando contra a Shadaloo, mas no seu lugar eu preferia morrer assim do que desistir!

– ...

– Sim Kaneda, eu amo você. Mas eu amo o guerreiro que vive dentro de você, e não quero que você desista! Um guerreiro luta até o fim, mesmo que esse fim seja sua morte!

Kaneda ficou perplexo vendo o discurso da jovem. Por um instante pensou que não fazia sentido tudo o que ela disse. Então, depois de ver suas lágrimas que seguiram o momento de retórica e emoção, ele caiu na real.

Kaneda se lembrou do jovem garoto que jurou vingar o pai no seu velório. Estaria quebrando sua promessa? Nunca! Agora não era somente seu pai, mas também vários colegas, como Kimberly e Chong-Li, e Key e Hwoarang!

Kaneda abraçou Sakura. Depois que ela parou de chorar ele a pegou pelo braço e foi em direção a moto. Sakura não sabia qual tinha sido o efeito do seu caloroso discurso.

– Pra onde vamos, Kaneda? – ela perguntou.

– Vamos para o dojô.

– E o que pretende fazer?

– Vou treinar. Treinar como nunca. E acabarei com M. Bison!

A jovem sorriu. Ela viu a confiança novamente em Kaneda. Ele a abraçou e a beijou. A culpa pela morte de Key já havia passado. Kaneda já podia olhar pra frente de novo. Os dois subiram na moto e se foram com muita velocidade. Sakura e Kaneda apreciavam o vento em seus rostos. Com certeza estariam prontos pra tudo.