Background. Essa palavra aparece com certa regularidade quando a conversa é entre RPGistas experientes, e também em matérias de revistas e posts de blogs. Alguns preferem dizer "ambientação", outros falam apenas em "história" ou "histórico" – mas background é muito mais abrangente.
Procurando background no dicionário inglês-português (a pronúncia é "bék-gráund"), você deve encontrar vários significados. Entre eles temos ambiente, cenário, antecedentes, formação, experiência. Todos valem em RPG, porque background é justamente isso – aquilo que enriquece e "recheia" o personagem. Sua história. Seu passado, personalidade e tudo o que o torna uma pessoa única. Indo direto ao ponto, background é aquela "historinha" que o Narrador pede para você escrever atrás da ficha de personagem – mas você disfarça, finge que não ouviu e deixa para depois.
Se o personagem de RPG fosse um computador, a planilha com números seria o hardware – a parte física, aquela que podemos ver e tocar. Então o background seria o programa, o software. Algo mais subjetivo, algo que não podemos ver imediatamente quando examinamos a planilha – mas SABEMOS que está ali.
Background não é indispensável para jogar RPG. Você pode preencher uma planilha, lançar os dados e esquecer qualquer outra preocupação. A diferença é que, jogando assim, muito em breve você pode acabar perdendo o interesse pelo personagem – e também pelo próprio jogo. Empregue algum tempo elaborando o background para seu personagem, e com certeza ele será mais valioso para você.
Sim, verdade. Você deve ter notado que, quanto mais tempo joga com um mesmo personagem, mais você fica apegado a ele. Isso não acontece apenas porque vocês debulharam capangas juntos (ok, isso TAMBÉM é divertido). Acontece porque agora seu personagem tem um passado. Você não o inventou durante a criação, antes de jogar – mas o background surgiu naturalmente, aos poucos, durante a crônica.
Sendo assim, não seria mais interessante construir personagens com passado e conteúdo, em vez de apenas uma planilha com espaços e bolinhas preenchidas?
Street Fighters não são só números!
Dentre os cenários da linha Storyteller (Vampiro, Mago, Lobisomem e os etcs), Street Fighter é aquele onde podemos esquecer mais facilmente o valor de um background. Talvez por isso este jogo seja tão detestado pela "elite" RPGista.
Digamos que você resolve construir um personagem de Street Fighter. O Narrador anuncia uma aventura onde terá um torneio de artes marciais (mais clichê impossível…), ok. Você logo pensa naquele combo para defende com Bloqueio básico e contra-atacar com Shock Treatment, e resolve por todas suas bolinhas de Técnicas em Foco e Bloqueio, seus Atributos Físicos vão para Vigor e Destreza e seus Atributos Mentais para Inteligência e Raciocínio. Além do Shock Treatment também pega uma Fireball, caso o oponente não queira se aproximar e faz um Kabaddi para que as manobras de foco saiam baratinhas. Para os gastos de Chi, preenchemos todas bolinhas de Chi na ficha usando Pontos Bônus e distribuímos as Habilidades, Atributos Sociais e Antecedentes à gosto. Pronto, já temos nosso personagem.
Temos mesmo? Vejamos…o sujeito não tem passado, não tem personalidade, não tem nem mesmo um nome! Pensando bem, o que temos é apenas um amontoado de números e cálculos espertos – um personagem feito com mentalidade puramente estrategista. Até que está bom se você está jogando suas primeiras aventuras e ainda não pegou o espírito da coisa, mas…pode estar certo, você logo vai se cansar.
Como trasformar esta planilha cheia de números em um personagem? A resposta é: dê a ele um background.
Para começar, temos que chamar esse cara de alguma coisa. Um nome indiano, rápido! Usando o instinto, o jogador escolhe…Karumi. Até que não ficou tão ruim.
O que esse Karumi faz da vida? Ele possui dons de manipular seu Chi em descargas elétricas e cospe bolas de fogo. Será um monge indiano? Talvez um discípulo de Dhalsim (o jogador pôs Sensei 5 como único antecedente).
Ei, um momento! Karumi tem Força 2, não tem técnicas de Soco, Chute ou Apresamento! Ele é um lutador que não sabe desferir sequer um chute ou soco. Nosso amigo é um tipinho bem estranho também, visto que não sobraram muitos pontos para por em Aparência. Isso dá a ele uma aparência de indiano passando fome, semelhante ao físico de Dhalsim em Street Fighter 2 para SNES.
Já temos muita coisa para trabalhar. Karumi é um discípulo de Dhalsim que vendo a pobreza de sua vila e a quantidade de enfermos decidiu ir para o Japão participar de um torneio Street Fighter para arranjar dinheiro para construir um hospital público. Isso corresponde à Honra maior do que Glória que o jogador de Karumi colocou na ficha. Agora ele viaja pelo mundo com alguns amigos que fez neste torneio, tentando juntar dinheiro suficiente para voltar para casa e melhorar a qualidade de vida dos habitantes de sua terra natal.
ISTO é background. Criar uma história, um passado e personalidade, compatíveis com as estatísticas de jogo. O ideal mesmo é pensar no background antes de construir o persoagem – e não o contrário, como acabei de fazer. Karumi teria uma vida mais fácil se, digamos, tivesse alguns pontos em Recursos ao invés de todos em Sensei.
Então ficamos combinados: quando preencher sua próxima planilha, dê ao personagem algo mais que números e bônus.
Artigo escrito por Fernando Jr inspirado em uma matéria homônima da extinta Dragão Brasil #43, escrito por Marcelo Cassaro.