Érica Awano é uma desenhista de histórias em quadrinhos no estilo mangá (japonês). De descendência japonesa, Erica começou sua carreira em 1996 desenhando o mangá de Megaman. Depois desse primeiro contato profissional, trabalhou na mini-série Street Fighter Zero 3 (Trama Editorial) ao lado de Marcelo Cassaro, o que rendeu muitos frutos posteriores, como ilustrações para o Manual 3D&T e o livro de Tormenta, culminando finalmente na sua obra máxima, Holy Avenger, que, sem sombra de dúvida, lhe trouxe a notoriedade que tem atualmente dentro do mercado de quadrinhos nacionais. Não é por falta de insistência, mas Erica não respondeu nossa entrevista. De qualquer forma, encontramos uma entrevista pouco conhecida dela no site Correio Braziliense, cujo conteúdo é reproduzido abaixo e data de 17 de fevereiro de 2010.
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Quando e como começou o seu interesse por histórias em quadrinhos? Nesta época, o que você lia?
Eu costumava "ler" quadrinhos japoneses quando visitava meus avós no interior. Havia grande quantidade desses volumes pois era hábito entre os imigrantes japoneses trazer essas publicações para que os filhos mantivessem contato com a língua japonesa. Meus avós maternos tiveram dez filhos, nove mulheres e um homem, então os quadrinhos, ou mangás, eram de histórias para garotas. Acho que comecei com esse interesse por volta dos sete ou oito anos e não conseguia ler as histórias. Isso só veio bem mais tarde quando aprendi a decifrar os ideogramas. Até lá, o que eu fazia era olhar as imagens e imaginar o que acontecia na trama.
Sempre pensou em se tornar desenhista de quadrinhos?
Sempre quis trabalhar com alguma coisa relacionada a desenhos e a literatura. Gostava muito de ler e herdei uma afinidade com desenhos que, me parece, existia desde meus avós. Meu avô desenhava flores e paisagens muito bem e minha avó gostava de fazer figuras humanas.
Quando e como começou a sua trajetória nos quadrinhos?
Por acaso havia essa febre em cima dos desenhos animados japoneses. Por conta disso, publicações específicas sobre quadrinhos e animações japonesas começaram a aparecer nas bancas. Eu escrevi uma carta para uma dessas revistas — Animax — com uma ilustraçãozinha e, em dois dias, o editor chefe da revista, o Sérgio Peixoto, ligou para a minha casa após encontrar meu telefone na lista. Ele também era o presidente de um dos únicos clubes sobre mangás e animes (animações japonesas) em São Paulo e reunia todo o fim de semana não só jovens ávidos pelas últimas novidades em animação — ele fazia exibições de vídeo na Gibiteca Henfil — como também um grupo de desenhistas, então amadores, para trocarem experiências e dicas de desenho. Por conta da exposição que a revista oferecia, logo o Peixoto começou a sondar e ser sondado para a publicação de mais do que revistas informativas, era a vez de fazer quadrinhos. Como ele tinha essas pessoas talentosas que por acaso desenhavam nesse estilo, não foi difícil uma coisa puxar a outra. A minha primeira aparição em banca foi na revista Megaman, baseada num jogo de videogame. Mas eu só assumi a idéia de fazer quadrinhos profissionalmente a partir da revista Street Fighter Zero, projeto que foi roteirizado e editado pelo Marcelo Cassaro, editor da então Dragão Brasil e futuro parceiro na Holy Avenger, que se tornou meu trabalho mais conhecido.
E quando você percebeu que poderia viver de sua produção de HQs? E por falar nisso, qual a sua formação acadêmica?
Sinceramente, eu não tenho certeza sobre isso ainda, quando eu comecei a fazer quadrinhos a sério eu só estava precisando fazer algo pra mim mesma. Parece que ser egoísta às vezes dá certo… Eu sou formada em Letras pela USP.
Saber desenhar e saber fazer quadrinhos são coisas diferentes. Como foi o seu aprendizado para fazer quadrinhos?
Eu não sei, tenho certeza que parte disso veio das minhas visitas ao acervo de mangás na casa da minha avó. Quando você realmente se interessa por algum assunto é muito fácil acabar absorvendo muito mais do que a informação imediata, a história em si, mas também o estilo e a estrutura da narrativa. Claro, não é algo consciente, mas a faculdade me deu ferramentas para visitar essas memórias e finalmente colocá-las em ordem de alguma forma. O contato com profissionais competentes também ajuda. O Marcelo Cassaro, roteirista da Holy Avenger, é um profissional premiado, apesar de nossas formações diferentes — ele cresceu lendo comics e eu mangás — eu posso dizer sem medo de errar que eu aprendi muita coisa a respeito de quadrinhos como um todo através dele.
Muitas meninas não lêem quadrinhos porque as temáticas das HQs são, geralmente, masculinas — em especial as HQs americanas. Você acredita que isso justifica o número reduzido de meninas leitoras e, consequentemente, produzindo HQs?
Acredito que esse fato justifica grande parte da questão sim. Eu sou uma prova disso — consigo contar nos dedos das mãos quantos títulos de quadrinhos americanos já li. Mas acho que também tem o fato de não haver interesse em mostrar opções para esse público feminino. Eu vejo as propagandas dentro dos mangás — que abriram as portas das comic stores para as garotas — e não vejo nenhuma que aproveite o perfil do público leitor, quero dizer, qual a vantagem de colocar um anúncio de um quadrinho cheio de tios bombados e tias peitudas num quadrinho para garotas? Não quero dizer que garotas não curtiram histórias de super heróis, mas eu não consigo ver como uma garota possa enxergar uma boa história só olhando para as capas dessas edições.
Você acredita que o mangá ajudou a trazer mais meninas para os quadrinhos? Por que?
Com certeza. Os mangás são produções altamente segmentadas, eles têm um público específico, não é como no ocidente — infantil, juvenil e adulto. Há mangás para adolescentes de ambos os sexos, para jovens adultos, donas de casa, gays, empresários, esportistas, sobre tudo que é tipo de assunto e abordado segundo o interesse do público alvo. Também tem a vantagem de que não é preciso ler 60 anos de quadrinhos para saber o que está acontecendo na história. Quando um quadrinho japonês acaba, ele acaba.
E no caso do Brasil, ainda tem um aspecto curioso que é o fato de que a maioria dos desenhistas de mangá que atuam profissionalmente são mulheres. Na época em que eu comecei eram todas mulheres. Atualmente eu sei que existem alguns rapazes, mas é um panorama bem diferente do que é encontrado nos quadrinhos americanos. Talvez por isso não seja incomum achar garotas nessas feiras de fanzines e em eventos de anime e mangá que queiram trabalhar como desenhistas.
Quem você diria que são as suas principais influências tanto no mangá quanto em outros tipos de quadrinhos?
Eu cresci lendo mangás, só li meu primeiro quadrinho americano na faculdade e depois de muita, muita relutância, a saber, foi o Sandman, do Neil Gaiman. Quanto ao meu gosto, eu gosto de histórias que falam sobre histórias, lendas, que misturam o folclore com eventos cotidianos. Não tem muitos títulos assim hoje em dia, mas eu costumava ler XXX Holic e Mushishi, os dois misturam aventuras fantásticas com elementos do folclore japonês. Sobre influências, não sei se existe alguma em especial, eu sou especialmente preguiçosa no que se refere a decifrar o estilo de outros artistas, acho que ao invés de gastar meu tempo tentando ser outra pessoa, é mais fácil tentar ser eu mesma.
Qual o seu conselho para as meninas que querem começar a fazer quadrinhos? E para aquelas que ainda não lêem quadrinhos?
Bom, se é com finalidade recreativa, fanzines, eles são um excelente exercício. Eles proporcionam não só a parte do fazer como também a parte do sujeitar-se ao julgamento dos outros. Se o interesse é profissional, realmente atuar na área, seria bastante salutar procurar a opinião de um profissional. Agora com os Tweeters e Orkuts da vida é muito fácil mostrar seu portfólio. Eu não sou uma pessoa que levanta a bandeira do "leia quadrinhos", acho que não dá pra forçar alguém a ler, ou a gostar de ler, acho que a única coisa que eu acho importante no que se refere ao assunto é que, mesmo que você nunca leia um quadrinho na sua vida, isso não quer dizer que sejam ruins ou inferiores. Claro, tem muita coisa que poderia muito bem nunca ter sido publicada, mas tem muitos livros nessas condições também, então, mantenha sempre a mente aberta. Os quadrinhos podem ser uma porta de entrada para um mundo muito maior.
Você está trabalhando atualmente na série Alice. Como chegou a este título? O que está achando a experiência?
Eu trabalho para uma agenciadora chamada Glasshouse Graphics. Um dia eu recebi uma proposta através dela para fazer um teste para Alice e embora eu achasse que não seria escolhida — já que a adaptação é fiel ao livro, portanto não deveria estar ligada a mangá e eu só trabalho nesse estilo — acabei sendo chamada. Desenhar Alice é muito divertido, pelo menos eu acho. Tem muita coisa ali que eu nunca desenhei antes e outras tantas que eu gosto de desenhar. Pra mim, fazer esse quadrinho é um presente! Os livros são fantásticos, a adaptação feita pelo casal Leah Moore e John Reppion é muito bem feita e cheia de detalhes engraçados nem sempre ligados ao quadrinho em si — como os momentos em que o texto para a descrição de uma cena para uma observação ou uma opinião pessoal dos escritores, quase como se estivessem escrevendo uma carta.
Qual tem sido o feedback para o seu trabalho?
Até onde eu sei, a repercussão sobre Alice está sendo boa lá fora. Não sei o que está sendo dito por aqui já que é uma publicação estrangeira, mas de vez em quando alguém me manda uma mensagem me dando os parabéns e para dizer que esperam ansiosos pela publicação do título no Brasil.
E quais serão os seus próximos trabalhos?
Ah, isso só vou saber quando terminar Alice, o que deve acontecer em meados de março.