Este é o dia, Nick Fontana disse para si mesmo.
Ninguém com mais de 20 anos acharia este comentário divertido. Muito menos alguém com 18 para 19 anos (como Nick) entenderia sua excitação…na verdade, ninguém entenderia.
Este é o dia, ele disse para si mesmo novamente. Este é meu dia. Seu primeiro confronto oficial no Circuito Street Fighter. Não, ele corrigiu a si mesmo mentalmente, minha primeira vitória no circuito. Sim, este será um dia a ser lembrado.
Ele estava preparado. Preparado como nunca havia estado antes. Ele sabia disso. Ele sentia isso. Ele estava rápido e flexível como uma cobra. Ele tinha um par de olhos de predador, para avaliar as fraquezas do oponente e um instinto assassino que poderia intimidar o mais poderoso dos vilões. Ele estava ansioso e preparado para chutar uns traseiros.
Nick saltou para fora do vestiário, onde ele vestia sua roupa. Ele estava pegando fogo por dentro, e começou a exercitar alguns combos no ar – um Fierce de ferro no queixo, Dragon Punch e Power Uppercut. Ele podia ouvir suas mãos cortando o ar, se sentindo o protagonista de um dos muitos filmes de Kung Fu que assistiu durante a infância. Me dê um par de palitos japoneses, ele pensou cerrando os dentes, e nenhum vôo em Mobile é seguro.
Mobile. Mobile, Alabama. A avenida onde marcaram sua luta, o que o enraivecia muito. Sua primeira luta profissional – porque não podia ser em sua cidade natal Seattle? Os outros artistas de sua banda, Os Centauros, poderiam vê-lo chutando uns traseiros e fazendo fama. Inferno, talvez até seus pais pirados poderiam aparecer – coisas estranhas tem acontecido ultimamente. Aqui em Mobile, pensava, ele não conhecia ninguém. Ele estava só. Até mesmo seu sensei, Shimizu, não estava aqui.
Nick levantou sua cabeça pensativo. Ele terá um monte de coisas para contar quando voltar ao dojô de Shimizu em Seattle. O velho sensei não achava que Nick estivesse preparado para o circuito oficial. Ao menos deveria ter treinado mais um ano antes de sua primeira luta profissional, o velho homem disse. Um ano? Um ano idiota? Isto era uma eternidade! Nick sabia que estava preparado e sabia que podia dar o seu melhor aqui, nesta luta.
Treinamento, katas e sparring são ótimos. Porém nada pode superar a experiência adquirida em um combate de verdade. Então, quando o promotor do evento contatou-o diretamente, e não através de Shimizu – que maravilha – ele se ofereci para lutar na Arena Mobile. Por alguns minutos ele discutiu com Shimizu sobre a viagem, mas ele acabou cedendo e até organizou os preparativos.
O organizador, J.J. Weller, o aguardou no aeroporto. Ele era um grande homem, vestido de preto, com um cabelo loiro rebelde e arrepiado e usando correntes de prata. Ele está sempre fazendo gracinhas e rindo de piadas que Nick não consegue entender. Quando Nick pergunta o que há de tão engraçado ele torce o nariz. Em outra ocasião, Nick deixaria-o falando sozinho e ia embora. Mas estava aqui a negócios. Era o que dizia a si mesmo.
Então aqui está ele. No vestiário da Arena de Mobile, Alabama. Ele pode ouvir a platéia, sua platéia: o barulho ensurdecedor de vozes, muitos passos, gritos de excitação e fúria; barulhos que somente poderiam ser feitos por milhares de pessoas.
A porta rapidamente abriu, e J.J. botou sua cabeça para dentro. Seu cabelo estava mais rebelde e desordenado do que de costume (excesso de spray pra cabelo, Nick pensou.) Pronto?
Nasci pronto, Nick disse.
Weller ficou quieto. Você enfrentará O Cajun dentro de alguns minutos. O empresário disse, mas nós podemos muito bem deixar seus fãs verem-no um pouco antes da batalha.
Tá’ certo.
Aqui está outra desvantagem em lutar em Mobile, Nick era obrigado a seguir Weller através do corredor de concreto. Se a luta fosse em Seattle, ele teria tido uma chance de escapar fora de seu oponente. Aqui? Sem chance. “O Cajun”? Que diabos era ele? Que estilo ele luta? Quais truques e combos ele sabe? Com certeza ele não é da divisão Tradicional, deve ser de alguma outra. Shimizu não aprovava outras divisões, e “O Cajun” provavelmente não usa estilos formais. Inferno, aquilo estava chateando Nick. Ele podia estar lutando – e vencendo – muito antes de ele saber coisas como estilos formais. Tudo seu mestre figurava, não há muito fora daqui que podia surprêende-lo.
Weller bateu a mão no ombro de Nick reassegurando e gesticulando para ele seguir em frente. Por um momento, Nick hesitou. Então ele deu de ombros e se meteu no último e escuro corredor com luzes brilhante no fim. Como aqueles sábios dizem sobre morrer e renascer, ele pensou, hoje é o fim de minha velha vida e início de uma nova. Ele emergiu de um tunel…
Seus joelhos se paralisaram. Weller tinha dito a ele que a casa estava cheia – 18.000 pessoas e aumentando. Ele pensou que sabia o que isto significava.
Sem chance de enlouquecer. Ele já tinha visto grandes platéias, mas somente na tv. Na tv você não pode realmente ouvir o povo, não pode cheirá-lo e certamente não pode senti-lo. Ainda mais importante, cada um destes 18.000 estava olhando para ele. Ele sentiu a sensação dos olhos sobre ele, como uma carga elétrica atravessando seu corpo. Quando reconheceramno quando o povo viu que era um dos lutadores da noite – a platéia rugiu, e o som bateu em seu corpo como uma onda do oceano.
Eu tenho que vencer. O pensamento chocou nele com intensidade. Este é meu dia. No impulso, Nick tirou seu boné de baseball (o único com o logo de sua banda) e jogou-o na platéia. Ele riu alto enquanto assistia o povo se matar pelo boné. Aqui é onde eu quero estar.
Nick subiu ao ringue, no calor das luzes, e aguardou. Ele não precisou aguardar muito. Ele ouviu o anunciante gritar Doce casa de Alabama ou algum recado como este. Então sua voz reverberou através da arena. Senhoras e senhores, isto é o que vocês estão esperando. Estão preparados para o maior evento da tarde?
A platéia ama isso, Nick pensou confuso, eu imagino que até o inferno seja um lugar melhor que esse. Nick notou que a maioria dos gritos era do lado do oponente. Esta é Mobile, ele lembrou-se a si mesmo, não estou em casa.
O narrador continuou seu discurso. Senhoras e senhores, esta é uma luta no estilo livre. Sem armas, sem manobras letais e sem mordidas! Ele proferiu as últimas palavras como uma piada, e a platéia rugiu em um riso de aprovação. Nick, tremeu. Eu perdi alguma coisa?
No canto azul, o narrador falou alto, em sua primeira batalha profissional pelo circuito, do playground de Evergreen… Nick Fontaaaana!
Nick foi bombardeado pelos gritos, engrandecendo-o, sentindo sua energia subir para os músculos e como se seus reflexos ficassem ainda melhores. É para isto que eu nasci, ele disse a si mesmo. Tudo que se passou até agora foi apenas treinamento.
E no canto vermelho, o narrador continuou, o favorito local. Vocês já o viram neste ringue antes, e vocês o verão novamente. Seu recorde é de 72 vitórias – 51 por nocautes! – 14 derrotas e nenhum empate.
Espere um pouco! Nick pensou, saindo de seu delírio repentinamente. 72 vitórias, 51 por nocaute? Ele olhou ferozmente para Weller, que estava parado ao lado do ringue. O promotor olhou para ele e deu de ombros.
Sim? Bem, nós veremos.
O narrador ainda não terminou, Ele é um dos maiores lutadores do circuito internacional, da Divisão Livre. Você o conhece, você o ama e aqui está ele: Ragin Cajun!!!
Os gritos anteriores ficaram ensurdecedores, mas agora eles causavam dor a Nick. O som da platéia entusiasmada batia de encontro a Nick como pancadas: Ca-jun! Ca-jun! Ca-jun!.
Do topo da arena, os holofotes deixaram de iluminar Nick e se projetaram na direção oposta, para a entrada de um túnel similar ao que Nick entrou. Algo moveu-se lá dentro e veio para a luz.
Mas que diabos é aquilo?
Ele parecia com uma brincadeira sem graça, um refugiado de um filme barato de terror. Ele tinha a altura de um homem, caminhava altivo balançando seus braçoz e pernas, assim como um humano também. Mas ele não era humano, era algo que Nick não conseguia discernir. ele parecia como…
Ele parecia com um homem-crocodilo, treinado para caminhar sobre as duas pernas, usando sua cauda para balancear o peso do seu tronco. Mas não era um crocodilo como os que Nick já vira nos zoológicos, ele tinha músculos em seus braços e pernas como os halterofilistas profissionais. Além disso nenhum crocodilo usaria um maiô de luta-livre colorido daquela maneira. Não, aquilo não era um crocodilo. Mas também não era um humano. Algum tipo de cruzamento? Algum experimento genético daqueles que você ouve falar na televisão e nos jornais?
Independente do que era, a platéia o amava. Eles gritavam. Eles cantavam. Eles faziam “olas”. E o crocodilo adorava cada minuto de ovação. Ele esticava suas grandes mãos acima da cabeça vitorioso, enquanto circulava pelo ringue. Sua boca estava aberta em algo que lembrava um crocodilo-sorrindo (?) com suas dezenas de dentes à mostra.
Mas que diabos é isto, Nick pensava. Ele atravessou o ringue, permanecendo o mais longe que podia daquela aberração, até onde Weller estava. Mas que diabo de aberração é aquela? ele exigiu saber. Ele nem é humano!
Weller sorriu. Mas desta vez não era uma risadinha irônica. Na verdade, havia algo novo no sorriso que Nick não gostava. Aquilo é seu oponente garoto, o promotor disse. Aquilo é o Cajun.
Nick jogou outro olhar para a coisa-crocodilo cheia de dentes e tomou sua decisão. Você não disse nada sobre isso, ele disse firmemente, cruzando seus braços sobre o peito.
Weller desaprovou. Você não perguntou, ele apontou para Nick de uma forma irritante. Eu lhe ofereci uma luta. Você aceitou-a. Fim da história.
Fim da história coisa nenhuma! Nick respondeu de volta. Você me ofereceu uma luta justa, não …
O promotor o cortou. Nunca disse nada sobre uma luta justa, garotinho, ele disse friamente. Perguntei a você se você queria uma luta ao estilo livre. Você disse sim. Você assinou o contrato. J.J. chegou perto de Nick, tão perto que ele podia ouvir sua respiração. Eu acho que você não vai querer desitir agora garotinho, ele repreendeu. Seu nome está no contrato, seu nome está nas faixas. Inferno, seu nome está no telão. Você está na arena, pessoas vieram até aqui e pagaram um bom dinheiro para ver você lutar. E você irá. Você fez um acordo, agora você deve cumpri-lo.
O acordo já era! Nick disse apontando o dedo para o peito de Weller.
Não é assim de onde eu venho, garoto, o promotor disse calmamente, Você está escalado para lutar com o Cajun, nem que ele tenha que te perseguir até o vestiário e arrastá-lo de volta esperneando e gritando. Que inferno, garoto, ele ria, olhe para esta platéia! Você acha que eles irão embora antes de ver algum de vocês beijar a lona? A voz de Weller começava a soar como o silvo de uma cobra. Você pode ir se quiser. Mas pense um pouco, esta é uma luta com regras. Hey, quem sabe, talvez você derrote o cajun, huh? Mesmo que você perca, existem nas regras. Não pode ser assim tão ruim. Você ganha o dinheiro, pega seu nome e dá o fora daqui. Da próxima vez você arranja uma luta mais próxima do seu nível. Você não será um covarde ao menos. Por outro lado…
J.J. balançou a cabeça. Por outro lado, você manda pro inferno o acordo, então nós mandamos pro inferno as regras! O Cajun irá acabar contigo, e ele não irá parar até se cansar. Talvez ele tenha piedade, ou talvez arranque seu braço, isto não importa nem pra ele nem pra mim. Você não possuirá um contrato para te defender, então não ganha dinheiro. E você nunca mais conseguirá que outro promotor negocie com um lutador que quebra contratos. Escolha garoto, Weller terminou calmamente. Mas não demore muito, huh? Com isto, ele deu de ombros e saiu caminhando.
Por um momento Nick pensou sobre tudo que Weller dissera. Inferno, weller era grande, mas ele não era dois – ele poderia destruir o empresário se pusesse as mãos nele.
Mas ele segurou a si mesmo. Ele ficaria muito satisfeito em chutar a bunda de Weller, mas isto iria arruinra sua carreira. Parte de seu cérebro o congratulava por ele estar pensando como um profissional, o profissional que ele queria ser um dia. E era exatamente isto que ele não tinha feito até agora, agir com profissionalismo. Isto foi tudo do que Weller falou até agora sem usar a palavra em si. Nick agiu como um moleque, ao aceitar um contrato sem saber mais informações a respeito da luta, no mínimo deveria saber contra quem ou contra o quê ele iria lutar.
Não, ele não havia agido como um profissional até agora. Agora ele tinha uma escolha: seguir com seu acordo e provavelmente ser derrotado, mas derrotado como um Street Fighter profissional; ou desistir e aguentar a fúria do Cajun, vendo sua carreira se esvair junto com seu sangue pela arena.
Com um frio, e irônico sorriso. Nick foi até o centro do ringue e assumiu sua posição de combate. O Cajun se virou para ele e flexionou seus músculos. Medo percorreu o corpo de Nick. Mas profissionais não sentem medo, ou sentem? Claro, eles devem senti-lo, mas não deixam que o medo os controle. Isto é o que realmente significa ser um lutador profissional.
Nick engoliu em seco e esforçou-se ao máximo para pôr um sorriso no rosto. Eu tenho algo para você, seu filho-da-mãe de sangue-frio! ele escarneou, alto o bastante para ser ouvido pela platéia. Venha me pegar, se você conseguir sua aberração!
E assim a batalha iniciou.
Este conto foi escrito por Nigel Findley e é parte integrante do livro Street Fighter RPG: Guia do Jogador, disponível na seção de Livros Oficiais.